
Hoje, parece que usamos as palavras de forma errada — não na gramática, mas na hora de nomear o que realmente sentimos. Amor virou sinônimo de paixão rápida. Raiva virou um simples incômodo. Tristeza virou depressão, e alegria virou euforia momentânea. Cada sentimento, que deveria ter nuances, é elevado ou rebaixado, banalizado ou dramatizado. E essa perda do significado original afeta nossa sensibilidade: se não sabemos nomear o que sentimos, também não sabemos lidar com isso.
Lembro de uma palestra de Ariano Suassuna em que ele comentava o caso de Chimbinha ser chamado de “gênio”. Com ironia, perguntava: “Se Chimbinha é gênio, qual palavra então usar para Beethoven?” Esse exagero no uso esvazia a palavra. Quando chamamos tudo de genial, o que é realmente grandioso perde a força.
Nos anos 70, entrevistas feitas no Rio de Janeiro mostravam algo curioso: pessoas comuns, tanto da classe média quanto das favelas, se expressavam de forma clara e elaborada. Um deles dizia ter lido cinco ou seis livros no ano — um número impressionante se comparado ao Brasil de hoje. Mesmo com acesso limitado, havia leitura, havia conversa, havia uma cultura oral e escrita que criava pontes entre o mundo interior e a troca coletiva.
Hoje vivemos o contrário. Temos livros mais baratos, internet, podcasts, vídeos de todo tipo. O acesso nunca foi tão amplo — mas parece que nos expressamos pior. Não é só falta de educação formal, mas o efeito das distrações constantes, do hiperestímulo e do ritmo acelerado. Perdemos a calma para escutar e nomear. E isso pesa. Muitos sofrimentos começam justamente porque não conseguimos identificar nem comunicar o que acontece dentro de nós. A linguagem, que deveria organizar a experiência, se torna imprecisa. Como dito, sem símbolos adequados, as pessoas vivem numa angústia muda: o que sentem não se registra na memória e não se compartilha. O sofrimento vira uma massa confusa, solitária. Quando amor vira só paixão, quando tristeza é logo chamada de depressão, deixamos de perceber as gradações do sentir. As palavras se tornam máscaras, e a realidade interna, um borrão.
PS: o título é ironia